quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Orgulho Solamnio

A Fúria do Bruxo

    -- Basta -- os olhos do Reitor eram como o machado de um carrasco suspenso, e o silêncio que trouxeram deixou claro quem era o condenado.

    Maldiv baixou os olhos, suas mãos tremiam. Em torno dele se formou um círculo que se ampliava, como se ele fosse um leproso. Seus colegas tentavam se afastar dele, fingir que não o conheciam. Todos odiavam o Reitor igualmente, mas nenhum tinha coragem de enfrentá-lo. Mesmo os seus professores o odiavam, todos estavam igualmente revoltados, mas nenhum se postava contra ele.

    -- Você é uma péssima influência para todos neste Colégio -- continou o Reitor. Nas cadeiras ao lado da dele, os professores desviavam o olhar, se remexendo em seus assentos -- Glaedros não entrará na guerra. Nós estamos seguros, os orcs não sabem onde estamos, não interferimos, apenas observamos.

    O estudante sentiu a raiva aumentando dentro dele. Glaedros já fora uma força a ser respeitada, bruxos estavam ao lado de reis, enfrentaram necromantes e monstros, não deviam ser uma casa decaída e covarde. Mas não sob o comando do Reitor.

    -- Você tem até o anoitecer...

    Faça. Mate-o, basta disso. Maldiv olhou em volta. A voz na sua mente não era sua, era um estranho. Ele olhou em volta procurando o interlocutor, faces de alunos e monitores desviaram do seu olhar. Até que no meio da multidão, um olhar encontrou o seu. Um olho muito azul e um olho violeta brilhante, num homem baixo e gordo. Basta dessa covardia. O homem gordo abriu a mão e mostrou um anel, fechou a mão e a reabriu, mas o anel não estava mais lá. Então apontou para o bolso de Maldiv. Imediatamente o aluno sentiu o peso. 

    -- OLHE PARA MIM ENQUANTO EU FALO -- berrou o Reitor -- EU SOU O REITOR.

   -- Mas não é o Reitor original -- respondeu Maldiv -- O Fundador não é você, e você está sendo demitido.

    -- Do que você está falando?!

    Maldiv colocou o anel no dedo, ergueu na direção do Reitor e falou uma única palava:

    -- Dauthnarai.

   O raio negro disparou contra o peito do Reitor. Anéis e colares brilharam, criando múltiplos círculos de proteção, mas o raio quebrou-os com o som de mil pratos se partindo. O grito sufocado do Reitor deixou todos paralisados. Professores de pé, congelados pelo susto, olhavam do Reitor para Maldiv, enquanto a pele do homem mais velho se desfazia, soltando-se dos músculos, seus olhos soltavam fumaça negra, assim como sangue escorria de seus ouvidos, narina e boca.

    -- O que você fez?! -- gritou o Mestre das Poções.


  -- Ele fez o que eu mandei -- a voz anciã ressoou no salão, enquanto o homem aparecia atrás da cadeira do Reitor, fazendo os professores saltarem de seus lugares, preparando feitiços -- Abaixem as mãos. Nada do que vocês façam pode me ferir.

   O homem gordo começou a se metamorfosear. Uma barba densa e branca cresceu onde antes não havia nada. O corpo parecia se dissolver e esticar, ganhando uma imponência maior do que a qualquer outro na sala. Professores baixaram as mãos e deixaram os queixos caírem ao perceber o olho violeta brilhante. Um minuto de choque após, um homem velho e imponente, vestido com mantos negros e roxos estava sobre o corpo do reitor, segurando um cajado preto com uma joia vermelha que tremulava.

    -- Eu não posso viajar por duas dimensões e vocês deixam o mundo chegar nesse estado. Basta dessa covardia --  Disse Rafiki -- Nós vamos à guerra.


***

Fogo na Água

   A espuma do mar espirrou no seu rosto no momento em que as primeiras flechas acertaram os barcos orc. As chamas se espalharam rapidamente. Em algum lugar de Guardamar soaram cornetas, e as muralhas entraram em frenesi. Ikkar imaginou a surpresa dos orcs ao ver uma armada vindo contra eles. E não uma pequena armada, mas uma grande armada. Ao seu lado, um dos Jarls nortenhos gritava com os remadores.

   No barco a sua frente, podia ver o gigante queimado completamente vestido em sua armadura, com um machado de duas faces nas mãos, a bandeira com o brasão da Ethos liderava a esquadra, com diversos outros brasões nortenhos e da Aliança do Orgulho Solamnio.

   Ikkar, assim como a maior parte dos solamnios estava mal armado. Alguns traziam foices ou machados, outros poucos tinham espadas. Quase nenhum deles tinha mais que um corselete de couro batido, apenas um ou outro tinha escudo, mas todos tinham um fogo de esperança e raiva nos olhos, uma chama que ardia mais forte do que o reflexo do fogo nos barcos dos quais se aproximavam.

   -- Por Meihëm! Por Solamnia! -- gritou Ikkar, sua voz esganiçou, aguda, sem força contra o som do vento, mas atrás dele, alguém repetiu o berro:

   -- Por Meihëm!

   -- Por Solamnia! Por Solamnia! Por Meihem! -- outras vozes se juntaram, até que todo o barco gritava. Um guerreiro colocou as mãos em volta da boca, berrando por cima do som do vento e das ondas, tentando fazer sua voz alcançar o barco mais próximo. Sua tentativa pareceu falhar, até que um murmúrio cresceu velozmente numa única voz que tomou o barco ao lado, uma voz que gritava com fúria crescente -- POR MEIHËM! POR SOLAMNIA!

   Aos poucos, o brado foi se espalhando de barco a barco, de voz a voz, até que todo o exército gritava. Trinta barcos, quase mil homens gritavam, e o som do grito de guerra era maior que qualquer trombeta que os orcs pudessem tocar nas muralhas de Guardamar. Com fúria e com fogo os barcos começaram a subir o rio, as flechas orc caindo na água sem atingi-los.

   Desembarcaram na margem, subindo rapidamente a praia e a colina. Uma longa parede de escudos orc já havia se formado diante do maior portão na muralha. Atrás da parede de escudos de orcs mais velhos, um exército três vezes maior de orcs jovens e sem armadura fervilhava esperando a batalha começar.

   A cem metros de distância dos orcs, os homens se juntaram na sua própria parede de escudos. Num flanco, trezentos nortenhos, a maioria parecia velha ou feridas, sob três estandartes: um navio quebrado, uma espada sem cabo e uma lança partida. Símbolos de jarls falidos. No flanco oposto, trezentos homens sem armaduras, com armas improvisadas e fúria. No centro, outros trezentos homens vestidos de armadura completa, liderados por um gigante com um machado imenso nas mãos, sob o estandarte vermelho e prateado da Ethos Alfa: paladinos, de armaduras novas e sem arranhões, soldados da fé recém ungidos. Deveriam estar com medo, deveriam estar tremendo de medo, mas tremiam apenas de raiva. Deveriam estar chorando, murmurando preces, mas todos tinham a voz firme  e respondiam os xingamentos dos orcs com apenas um brado, um único brado compartilhado:

    -- POR MEIHËM! POR SOLAMNIA!!

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Narrativa #10: A Boca da Serpente

    Bem vindos de volta! Esta narrativa conta fatos offgame, que os jogadores não fizeram parte - ao menos não diretamente. As narrativas como esta serão um modo de mostrar as pequenas e grandes mudanças que os jogadores causaram em Tellerian, para o bem ou para o mal, assim como contextualizar cidades, povos, lugares e pessoas.
    Os fatos a partir daqui contados se referem à 2ª Temporada de Tellerian, 84 anos após a campanha original. Os personagens desta vez são: o pistoleiro de Khalifor Yttrium (Luis), um atirador de elite, oficial do Juízo do Silêncio; Arda Dru'um (Neto), um necromante dedicado à caçar e destruir o Culto da Lua Sangrenta; o clérigo Érebor (Eddie), com um passado sombrio e uma conexão simbiótica com um espírito das trevas chamado de Umbra; Pata Sangrenta (Caio), o último meio-orc da tribo do U'Canis, que foi dizimada por Hogg; Lilrelei, ou Liu, (Mateus), um ladino explorador meio elfo; e Miryo (Sara), uma ranger desertora da Ethos, cuja família foi assassinada pela própria instituição, fato que ela descobriu tardiamente.

Narrativa #10 - A Boca da Serpente

   Trombetas soaram nas muralhas como o último rugido de uma fera ao morrer. Os muros se encheram de soldados sonolentos e assustados nos minutos que se seguiram. O desespero se propagou cidade adentro, enchendo Pedrabranca de cochichos amedrontados.
   A primeira luz da manhã revelou os exércitos que os cercaram silenciosamente durante a noite escura e tempestuosa. Orcs aos milhares traziam armaduras feias de ferro e armas manchadas de sangue; goblins gritavam uns com uns outros, movendo suas máquinas de cerco; ogros e bugbears rosnavam, arrastando martelos de guerra e arietes; no ar, uma dúzia de wyverns negros e verdes voavam em circulos, montados por duplas de orcs.

   - Meihëm nos ajude... - Balbuciou o capitão da guarda, um segundo antes da primeira catapulta disparar.

   O pedregulho passou sobre a muralha por poucos metros, atingindo uma casa e implodindo numa nuvem de poeira e rochas partidas. Um casal que se postava à porta, tentando entender a comoção, foi esmagado contra a parede numa mancha de sangue e vísceras.
   Os gritos desesperados dos transeuntes se ergueram em uníssono, soando como um incentivo para o exército que se postava do lado de fora.

   Tambores de guerra do tamanho de bois começaram a soar. Bum. BumBum. Rosnados e berros de fúria se espalharam pelo exército goblinóide enquanto o cheiro do medo vinha até eles. Bum. Bum. Outras quatro catapultas foram disparadas em sequência, atingindo a muralha e criando rachaduras imensas. O tremor derrubou um par de soldados azarados que gritaram toda a distância do topo ao solo, num impacto surdo contra a terra batida.

   Uma sombra surgiu no horizonte, voando a grande velocidade e as tropas começaram a avançar a passo lento. Cornetas com vozes esganiçadas foram soadas por aqueles que montavam as criaturas aladas. Os wyverns rugiram com suas vozes agudas, levando homens a cobrir os ouvidos sob os elmos.
   O Terror Noturno veio voando como um tiro de flecha. Negro como a noite, esguio, amedrontador. Sobre seu dorso, Hogg segurava as rédeas com uma única mão, trazendo sua lança firme na outra. Não usava armadura ou escudo.

   - Gadaraaak! Gadaraaak! - Gritaram os orcs, iniciando uma corrida desenfreada.

   - Arqueiros! Arqueiros em posição! - Berraram os oficiais, mas suas ordens emudeceram quando o dragão se aproximou.

   O Terror Noturno rugiu e seu rugido se propagou como se viesse das profundezas da terra. O medo se instalou no coração dos soldados, que ficaram paralisados no lugar. Os olhos verdes da fera se fixaram na muralha e uma nuvem de escuridão surgiu, expandindo tão rápido quanto uma explosão, densa como um líquido.
   Aterrorizados e presos dentro de uma nuvem de trevas, homens correram sem rumo, derrubando seus companheiros da muralha, para dentro e para fora da cidade. Hogg gritou uma ordem e o dragão abriu a boca.
   Da garganta da criatura, a luz azul surgiu e brilhou como uma estrela antes de ser disparada como uma grande bola de plasma. O Terror Noturno passou em rasante sobre as muralhas e cada uma de suas baforadas era uma estrela que caía sobre a pedra e explodia numa espiral de fogo e luz.

   Homens em chamas caíram e rolaram pelas escadas largas, gritando o desespero mais nítido enquanto seus cabelos viravam fumaça e a pele grudava no metal, rasgando-se. O cheiro de carne queimada se misturou ao cheiro de urina.
   A cidade começou a queimar antes mesmo que seus portões fossem derrubados e eles não demoraram a cair.
   Sem homens para defendê-los, os portões foram atingidos em cheio por ogros de armadura com arietes imensos feitos de carvalhos inteiros. Quando a primeira porta foi derrubada, as catapultas dos goblins já haviam criado um vão na muralha, pelo qual centenas de orcs já haviam invadido.

   Os cidadãos fugiram colina acima, enquanto goblinóides de todos os tipos arrastavam mulheres nuas para fora de suas casas, estuprando-as ali mesmo em seus jardins, diante de seus filhos moribundos.

   Ninguém viu de onde surgiu a garota de cabelos esverdeados.

   De repente havia dezenas de orcs carbonizados enquanto um redemoinho de chamas esmeralda chicoteava e devorava os invasores. Um ogro avançou sobre ela rugindo, mas as chamas o engolfaram e a criatura perdeu o senso de direção, acertando uma casa e sendo soterrado pelos destroços.
   Ela consumiu centenas de inimigos, pondo milhares em fuga, quando Hogg desceu com seu dragão.

   O espírito de chamas voltou-se para o rei orc, que apeou da fera, mandando-a novamente para o ar. O fogo verde sibilou numa serpente gigante e saltou sobre o líder dos orcs que atravessou as chamas calcinantes sem titubear.
   Hogg caminhou até a garota, mostrou seus dentes afiados e amarelos para ela. A garota ergueu as mãos, conjurando uma esfera de plasma entre elas. Então Hogg a trespassou com sua lança e as chamas se extinguiram.

   - O fogo teme Nidhogg. Nidhogg não teme ninguém. - Goblinóides o cercaram, novamente com olhos de espanto e admiração. O Filho da Serpente olhou em volta, erguendo a lança na qual a menina estava empalada, riu com seu rosnado e berrou: - Gadaraaak!

   - Gadaraaak! - rugiram seus soldados, voltando à pilhagem.

domingo, 23 de agosto de 2015

Narrativa #9: O Cavaleiro de Dragão

    Bem vindos de volta! Esta narrativa conta fatos offgame, que os jogadores não fizeram parte - ao menos não diretamente. As narrativas como esta serão um modo de mostrar as pequenas e grandes mudanças que os jogadores causaram em Tellerian, para o bem ou para o mal, assim como contextualizar cidades, povos, lugares e pessoas.
    Os fatos a partir daqui contados se referem à 2ª Temporada de Tellerian, 84 anos após a campanha original. Os personagens desta vez são: o pistoleiro de Khalifor Yttrium (Luis - que trocou de personagem, uma vez que Belgest concluiu sua missão), um atirador de elite, oficial do Juízo do Silêncio; Arda Dru'um (Neto Adaak também concluiu sua missão, saindo de cena junto de Belgest), um necromante dedicado à caçar e destruir o Culto da Lua Sangrenta; o clérigo Érebor (Eddie), com um passado sombrio e uma conexão simbiótica com um espírito das trevas chamado de Umbra; Pata Sangrenta (Caio - após a morte de Raduh e a saída de Arnold), o último meio-orc da tribo do U'Canis, que foi dizimada por Hogg; Lilrelei, ou Liu, (Mateus), um ladino explorador meio elfo; e Miryo (Sara), uma ranger desertora da Ethos, cuja família foi assassinada pela própria instituição, fato que ela descobriu tardiamente.

Narrativa #9 - O Cavaleiro de Dragão

   A fera alada desceu sobre a caravana gritando com uma voz aguda que levou todos a cobrirem os ouvidos. Cavalos se desesperaram e derrubaram seus cavaleiros.
   Relâmpagos percorreram a pele lisa e chicotearam os homens de armadura abaixo, carbonizando-os dentro de suas roupas metálicas. Do torso do trapaceiro das marés, Tarumon brandiu sua lança, que se esticou para atingir os soldados desesperados.

   - Trovãonegro, para cima! - Gritou ele.

   Com um bater de asas, o dragão se afastou da terra, subindo em espiral. Acima deles, as nuvens já se aglomeravam num escuro presságio de tempestade. O cavaleiro rúnico olhou para baixo, vendo os confusos soldados da Ethos se reagrupando; dois quilômetros a frente, outro grupo de homens à cavalo avançavam na direção das montanhas.
   Tarumon tirou duas pedras de uma algibeira no cinto, arremessando-as para baixo. As runas tocaram o solo, transformando-se em explosões de fogo e fumaça. Cavalos em chamas fugiram sem rumo, atropelando os incautos; soldados sentiram suas peles queimarem, grudando no metal enegrecido pela fumaça. Os gritos puderam ser ouvidos mesmo lá do alto.

   Miltretas foi arremessada e, ao atingir o chão, fincou-se na terra e se transmutou num bosque disforme de metal, forçando a parada de todo o grupo. Com outro rugido penetrante.
    Como o Fundador afirmara. Homens e anões, um gigante ruivo e a própria Mão.

   Os homens já sacavam as armas quando Belar ergueu o punho num sinal militar. Confusos, os homens embainharam as espadas à contragosto.

   - Velho amigo. - Belar sorriu. - Bela montaria.

   - Seu bode também não é de se jogar fora. - Tarumon riu, removendo o elmo. - Espero não ter chegado tarde.

   - O que houve com seu chifre?

   O tiefling levou a mão ao chifre esquerdo, partido quase na metade.

   - Tentei confrontar Hogg. Não fui bem sucedido.

   - Estou vendo... Onde está Rafiki?

  - Investigando. Ele acredita ter descoberto a identidade real do nosso inimigo, portanto está buscando mais informações que possam nos dar alguma vantagem.

   - E teve algum progresso?

  - Teremos mais tempo de falar quando estivermos seguros, mas adianto-lhe uma coisa: Rafiki acredita que nosso inimigo possui um sósia, um resquício de um ritual que o salvou da morte, um meio de exterminá-lo sem confronto direto.

   Deixando Belar com suas dúvidas, Tarumon puxou as rédeas e Trovãonegro alçou voo. Miltretas desapareceu num feixe de luz dourada, reaparecendo como um bracelete em volta do punho do tiefling.
    Abismados, os soldados da Mão se entreolharam, começando a compreender o que seu líder havia dito sobre ser impossível vencerem sozinhos. 

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Narrativa #8: Fuga de Aeris

    Bem vindos de volta! Esta narrativa conta fatos offgame, que os jogadores não fizeram parte - ao menos não diretamente. As narrativas como esta serão um modo de mostrar as pequenas e grandes mudanças que os jogadores causaram em Tellerian, para o bem ou para o mal, assim como contextualizar cidades, povos, lugares e pessoas.
    Os fatos a partir daqui contados se referem à 2ª Temporada de Tellerian, 84 anos após a campanha original. Os personagens desta vez são: o pistoleiro de Khalifor Yttrium (Luis - que trocou de personagem, uma vez que Belgest concluiu sua missão), um atirador de elite, oficial do Juízo do Silêncio; Arda Dru'um (Neto - Adaak também concluiu sua missão, saindo de cena junto de Belgest), um necromante dedicado à caçar e destruir o Culto da Lua Sangrenta; o clérigo Érebor (Eddie), com um passado sombrio e uma conexão simbiótica com um espírito das trevas chamado de Umbra; Pata Sangrenta (Caio - após a morte de Raduh e a saída de Arnold), o último meio-orc da tribo do U'Canis, que foi dizimada por Hogg; Lilrelei, ou Liu, (Mateus), um ladino explorador meio elfo; e Miryo (Sara), uma ranger desertora da Ethos, cuja família foi assassinada pela própria instituição, fato que ela descobriu tardiamente.

Narrativa #8 - Fuga de Aeris

   - Por aqui, senhor. – O imenso cavaleiro abriu o portão erguendo a grade com uma única mão. Tinha os cabelos ruivos desgrenhados e semi-encobertos por um capuz puído de couro.

   Aos pés do Primeiro Legionário, dois homens de armadura e vestes vermelhas jaziam para além da vida. A cabeça de um deles havia sido esmagada contra a parede, enquanto o outro ainda tinha a marca escura da mão do gigante em volta do pescoço.
   Belar tinha o escudo preso às costas, um grande escudo com uma pedra azul no centro. Os detalhes da armadura de Throndil emanavam uma luz dourada muito tênue, que o anão escondia sob um manto grosso de pele escura.

   - Mantenha sua espada pronta, Iorek. Podemos encontrar vigias ou batedores mais perigosos que estes dois.

   O gigante mostrou seus dentes, que eram como presas, num sorriso feroz. Sacou a grande espada negra que tinha às costas com uma única mão.
   Atravessaram a praça à passo rápido, evitando a luz das lamparinas. O gigante ruivo avançava metros a frente, checando as esquinas em busca de inimigos ocultos.
   Levaram quase uma hora para cruzar a cidade e chovia quando chegaram à mansão. Quatro soldados abriram a porta ao reconhecerem a Mão. No pátio, duzentos homens ou mais esperavam pelo líder. Apenas os mais leais dos seus subordinados. Não trajavam as roupas nem ostentavam insígnias da Ethos. Assemelhavam-se a uma pequena companhia de mercenários.
   Belar baixou o capuz e os homens se aprumaram, levantando o punho direito ao peito em cumprimento.

   - Relaxar. – disse ele, devolvendo o martelo de batalha ao cinto.

   Os soldados se reuniram em volta dele com faces preocupadas. Alguns eram jovens, outros já tinham cabelos grisalhos. Humanos de Solamne; nórdicos e khalifornianos; alguns poucos halflings; e meia centena de anões.

   - Bravos companheiros... – Belar acariciou sua barba já cheia de fios grisalhos e lembrou-se de como seu antigo companheiro o fazia. – A hora é escura e terrores se arrastam pelas sombras. Estão aqui apenas aqueles que eu considero mais fiéis a mim e à causa de Meihëm. Uma força das trevas cresce no nosso mundo. Um mal tão terrível que foi capaz de corromper homens da fé e rastejar para dentro de nossa ordem. Despercebido, se multiplicou como uma praga em nossas fileiras, mesmo dentro da Elite.

   Exclamações e olhares conturbados foram trocados entre os soldados até que alguém perguntasse:

   - Quem?!

   Belar ergueu os olhos para o gigante e Grande B falou com sua voz gutural:

   - Nike Salasca e Al-Necario, Yudith de Azuril e Mordred Açoverde. – expressões incrédulas foram a única resposta. – Magnus e seus legionários queimaram a catedral de Sambúrdia. Lovecraft foi sequestrado e está desaparecido, tal como general Aran. Perdemos todo o contato com a Veridiana e Madame Cuthbert provavelmente está morta. E isso é só o bafo do dragão.

   - Está se tornando muito perigoso para mim ficar em Aeris. Temo pela minha própria vida. Além disso, esta batalha não será vencida pela Ethos apenas. – Belar respirou e bufou, olhando para seus aliados. – Há um mês enviei meu próprio neto para encontrar o homem que vocês conhecem por Fundador. Já é tempo de acabar com essa guerra; os orcs de Hogg são uma ameaça crescente, mesmo desse lado do mar, coisas macabras estão se levantando...

   Uma pausa longa se esticou, enquanto esperavam sob a chuva.

   - Estamos partindo para minhas minas, nas montanhas. Outros nos encontrarão lá, mas primeiro precisamos passar pelas legiões de traidores que buscam por mim nos condados à nossa volta. – A chuva aumentava, então Belar elevou a voz. – A guerra bate à nossa porta, meus amigos. E hoje nós lhe daremos as boas vindas.

   Os homens berraram e deram sorrisos ferozes, montando em seus cavalos. Duas carroças de provisões foram puxadas dos estábulos, junto do bode que Belar montava e do imbu - o cervo gigante e negro - de Grande B.
   Partiram à galope, cruzando a cidade. Tão logo passaram pelas primeiras colinas, foram flanqueados por uma centena de cavaleiros. O som das suas espadas foi apenas mais um ruído em meio à tempestade.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Narrativa #7: O Coração da Tormenta

    Bem vindos de volta! Esta narrativa conta fatos offgame, que os jogadores não fizeram parte - ao menos não diretamente. As narrativas como esta serão um modo de mostrar as pequenas e grandes mudanças que os jogadores causaram em Tellerian, para o bem ou para o mal, assim como contextualizar cidades, povos, lugares e pessoas.
    Os fatos a partir daqui contados se referem à 2ª Temporada de Tellerian, 84 anos após a campanha original. Os personagens desta vez são: o guerreiro anão Belgest (Luis), neto de Belar, que foi personagem do mesmo jogador na Temporada anterior; Adaak (Neto), um paladino que se juntou à Ethos para se redimir de ter causado a morte da própria família num acesso de fúria sobrenatural; o clérigo Érebor (Eddie), com um passado sombrio e uma conexão simbiótica com um espírito das trevas chamado de Umbra; Raduh (Caio), um draconato verde exilado, que se juntou a Resistência Arcana e se tornou um cavaleiro rúnico com poderes das trevas [vocês o verão aqui no blog através de seu diário]; Lilrelei, ou Liu, (Mateus), um ladino explorador meio elfo, irmão de Ellian (Marcela), uma meia elfa como o irmão, mas com um espírito sanguinário de bárbara; e Miryo (Sara), uma ranger desertora da Ethos, cuja família foi assassinada pela própria instituição, fato que ela descobriu tardiamente.

Narrativa #7 - O Coração da Tormenta

- Remem, seus putos! – gritou Hollom, o imediato do Providência. – Temos um trapaceiro na nossa cola! Vocês querem morrer?! Então remem!
O navio já oscilava com violência sobre as ondas altas do mar revolto, mesmo que a tempestade não os tivesse alcançado ainda.
No convés, os marujos se agarravam aos cordames com firmeza para não serem lançados sobre a amurada. Quando o vento forte mudou subitamente de direção, o capitão foi tomado de preocupação.
- Hollom, nos coloque a barlavento. Curso sul-sudeste.
- Vocês ouviram o capitão! Curso sul-sudeste!
- Huzzah!
- Icem a vela da meneza!
A comoção foi geral, enquanto velas eram desamarradas para que o navio acelerasse. O vento inflou as asas do Providência, lançando-o numa corrida desenfreada.
A chuva os alcançou um minuto depois, atingindo o convés em um martelo d’água. Os relâmpagos iluminavam o céu, cortando as nuvens.
- Ele está perto, Hollon. Talvez precisemos... – a voz do capitão foi engolida pelo rugido do trovão.
No horizonte, uma criatura tão grande quanto o navio saltou para fora da superfície, planando com vastas asas escuras. O grito agudo do Trapaceiro das marés foi ouvido por todos apesar do barulho da tempestade.
Alguns marujos se desesperaram com a visão do dragão.  Os mais devotos começaram a balbuciar preces amedrontadas. As remadas se tornaram frenéticas.
- Hollom!
- Sim, capitão?!
- Mande trazerem alguns dos baús para o convés.
- Huzzah, senhor.
O Capitão Finn encarou seriamente a criatura, que voltava a se aproximar da água. Quando o céu voltou a escurecer, o Trapaceiro havia desaparecido.
Uma dúzia de homens surgiu carregando baús de madeira e ferro. O rosto de cada um estava dividido entre a ganância e o medo.
- Senhor, apenas os galeões sangrentos ficaram.
- Obrigado, Hollom. – Finn abriu um dos baús e fitou o outro e a prata com fúria. – Joguem no mar.
Os baús foram atirados ao mar à contragosto, ainda que todos soubessem que não havia outra escolha.
- Agora temos uma chance.  – O capitão ergueu os olhos, procurando a fera. – Voltem aos seus postos.
Diante da relutância dos homens, Finn se virou lentamente com a mão sobre o bacamarte.
- Aos seus postos.
            Os marujos recuaram com olhos vorazes. Hollom segurou num cordame, levantando a voz sobre o ruído do vento.
- Capitão?
- Diga.
- Os homens não ficarão felizes com isso.
- Primeiro eles precisavam sobreviver. – O Trapaceiro surgiu novamente, emergindo num salto. – Nós precisamos.
O Imediato silenciou.
- Preparem os canhões.
- Senhor?
- Ele ainda não desistiu, vamos dar um incentivo. Preparar canhões.  – Finn atravessou o convés. – Vou pegar o timão. Hollom?
- Sim, capitão?
- Os canhões.
- Huzzah! – O imediato abriu um sorriso feroz, correndo para as escadas.
Quando o dragão saltou da água, mergulhando contra o navio, homens se desesperaram. O grito agudo da fera feriu seus ouvidos e o trapaceiro brilhou por um segundo, enquanto a descarga elétrica percorria seu corpo.
- Fogo! – Finn manobrou o barco, saindo do caminho.
Os tiros acertaram o flanco do animal que passou à lateral do barco. Mais um grito rasgou o ar antes que o dragão mergulha-se, desparecendo entre as ondas do mar escuro.
O medo se esvaiu devagar, mas os marujos não ergueram as vozes, como se temessem atrair novamente a criatura. Os trovões os seguiram por mais uma hora antes que saíssem da rota da tempestade.
Ver o sol foi um alivio tão intenso que poucos foram aqueles a sequer citar o fato de terem jogado uma fortuna no mar.
“Conseguimos.”

sábado, 20 de junho de 2015

Narrativa #6: Punhos e Fúria

    Bem vindos de volta! Esta narrativa conta fatos offgame, que os jogadores não fizeram parte - ao menos não diretamente. As narrativas como esta serão um modo de mostrar as pequenas e grandes mudanças que os jogadores causaram em Tellerian, para o bem ou para o mal, assim como contextualizar cidades, povos, lugares e pessoas.
    Os fatos a partir daqui contados se referem à 2ª Temporada de Tellerian, 84 anos após a campanha original. Os personagens desta vez são: o guerreiro anão Belgest (Luis), neto de Belar, que foi personagem do mesmo jogador na Temporada anterior; Adaak (Neto), um paladino que se juntou à Ethos para se redimir de ter causado a morte da própria família num acesso de fúria sobrenatural; o clérigo Érebor (Eddie), com um passado sombrio e uma conexão simbiótica com um espírito das trevas chamado de Umbra; Raduh (Caio), um draconato verde exilado, que se juntou a Resistência Arcana e se tornou um cavaleiro rúnico com poderes das trevas [vocês o verão aqui no blog através de seu diário]; Lilrelei, ou Liu, (Mateus), um ladino explorador meio elfo, irmão de Ellian (Marcela), uma meia elfa como o irmão, mas com um espírito sanguinário de bárbara; e Miryo (Sara), uma ranger desertora da Ethos, cuja família foi assassinada pela própria instituição, fato que ela descobriu tardiamente.

Narrativa #6 - Punhos e Fúria

   Como uma sombra, Murdock se moveu sobre os telhados, saltando de casa em casa na direção da Veridiana. Subiu num grande prédio do Centro; era apenas uma silhueta escura contra o céu estrelado.

   A lua minguante era pouco mais que um fio prateado no céu, um sorriso travesso entre as constelações. Nuvens escuras se moviam juntas, vindas do norte, trazendo as primeiras chuvas do outono.

   O justiceiro sentiu o vento frio soprar com força e voltou a correr, saltando para o próximo edifício e para o seguinte, na direção da parte alta de Pedrabranca.
   Chegava à Colina quando ouviu os gritos desesperados de uma mulher. Não pensou duas vezes e imediatamente seguiu na direção da voz, saltando para a rua e correndo velozmente pela rua calçada de pedras brancas.

   Murdock vestia roupas negras e faixas escuras estavam enroladas em seus punhos; a face estava coberta por uma máscara preta que só permitia ver seus olhos. E foi assim que o viram quando entrou no beco, arremetendo contra um homem e lançando-o ao chão.

   - Larguem-na! – Ordenou ele para os quatro homens que arrastavam uma senhora à força.

   Os homens obedeceram e, aturdida, a mulher levantou e correu. Murdock deixou que ela passasse por ele, fugindo para a rua, então foi lentamente cercado pelos criminosos. Posicionou defensivamente sem movimentos bruscos. Um pesado pingo de chuva acertou seu ombro e outro tocou sua nuca com um dedo frio. A chuva caiu subitamente e seus inimigos avançaram.
   Moviam-se velozmente, mas seu passo era estranho, como se estivessem embriagados. Com a agilidade própria de um monge, Murdock evadiu de socos, revidando com golpes certeiros nas costelas. A chuva caia torrencialmente e seus punhos se chocavam com a carne dos adversários num ritmo frenético. Trovões reverberavam a ponto de fazê-los tremer e os relâmpagos lançavam flashes de luz, rasgando o céu com fios de luz branca e azul.
   Uma sequência furiosa de golpes levou um ao chão e, sem parar, o monge negro se voltou para o próximo, então para o seguinte. Em dois minutos todos estavam caídos.

   - Estou farto de vermes como vocês. – disse Murdock.

   - Você nunca viu ninguém como eles. – respondeu uma voz macia e melodiosa vinda da escuridão.

   Outro relâmpago cortou as nuvens e a luz revelou um jovem saindo de uma viela lateral. Ele caminhava na direção do monge, com um sorriso estranho que provocou calafrios em Murdock. Ao som da voz dele, os homens caídos se ergueram. Tinham os olhos iluminados em rubro por alguma magia macabra. Em meio à chuva, outros surgiram vindo da rua atrás do justiceiro e das vielas estreitas e tortas em volta.
   Investiram contra ele e Murdock golpeou à direita e à esquerda, girando no próprio eixo para derrubar um inimigo após o outro. Naquela rua estreita, precisava dar cambalhotas sobre os que caíam para continuar a lutar contra o que permaneciam de pé. Começava a se sentir exausto quando o último deles caiu..

   Ofegante, o justiceiro viu o garoto sorrindo para ele da entrada do beco. Deu dois passos na direção dele, sentindo a água gelada escorrer através de suas roupas.
   Antes que pudesse avançar contra aquele mago, o som de muitas vozes em agonia tomou a rua. Gritos aberrantes que penetraram seus ouvidos. Tão agudos e lacerantes que nem mesmo o ribombar de um trovão os encobriu.
   O jovem tinha os braços abertos e cantava numa língua estranha. Murdock viu-se paralisado. Seu coração estava acelerado e o monge não entendia o motivo.

   Um corpo se ergueu no ar como se puxado por linhas invisíveis. Seus membros se retorceram em posições estranhas por alguns segundos enquanto aquelas vozes desesperadas gritavam palavras desconexas. O corpo se debateu intensamente pelo que pareceu uma eternidade, então os gritos cessaram e ele desabou.

   Murdock encarou a cena perplexo. Conhecia das artes das trevas, mas nunca vira algo assim.

   O jovem baixou os braços lentamente e o corpo se mexeu. Pálido e com olhos completamente enegrecidos, o cadáver se ergueu. Quando falou, foi como se uma dúzia de vozes saísse de sua boca:

   - Nós somos Varag. – disse ele. – Resistir é inútil.

   Murdock não esperou que aquela criatura agisse e saltou contra ele, desferindo uma sequência de golpes que o inimigo defendeu com habilidade e músculos rígidos como aço.
   Quando Varag contra-atacou, o golpe atingiu o peito do monge com força suficiente para atirá-lo contra a parede do beco. Antes mesmo que ele se recuperasse do impacto, Varag o acertou novamente e outra vez. A dor o ensurdeceu e ele sentiu a força escapar.

   Murdock desabou e sentiu a chuva atingir seu rosto. A escuridão o envolveu por um segundo, mas o justiceiro retomou a consciência bem a tempo de rolar e evadir do golpe que o inimigo desferiu contra seu rosto.
   Pondo-se de pé, o monge atacou velozmente o inimigo, numa brutal sequência de socos que derrubaria o maior dos homens, mas Varag pouco fez além de dar alguns passos para trás.

- Seus socos não podem feri-lo, imortal. - Disse o jovem.

    Murdock virou-se de súbito. Não vira o jovem passar por ele em nenhum momento.

   - Ele é um draugar. Armas mundanas não lhe causam mais que irritação. – Os olhos do jovem brilhavam em vermelho.

   Antes que pudesse responder ao mago, o justiceiro viu-se obrigado a recuar, esquivando-se dos ataques furiosos do homem de olhos negros. Preparava-se para contra-atacar quando uma lâmina perfurou suas costas. A dor fez seu passo vacilar e Varag o acertou em cheio no rosto, quebrando-lhe o nariz e levando-o ao chão.
   Tropeçando para se pôr de pé, Murdock levantou o rosto apenas para ver todos os homens que derrubara novamente prontos para o combate. Agora via que muitos tinham ferimentos fatais e membros em posições escrotas.

   Um relâmpago lançou sua luz sobre a rua e Varag se moveu como uma flecha, acertando Murdock com uma joelhada no peito. O justiceiro evitou os ataques seguintes, revidando inutilmente. Cercado, não pode esquivar de facadas desferidas por todos os lados. Girou nos calcanhares, atingindo mandíbulas e costelas, abrindo espaço na rua.
   A chuva fazia suas roupas pesarem. Lento, não pode evitar que outra lâmina trespassasse suas costelas. Tentou golpear o atacante, mas Varag segurou seu pulso, torcendo-o.
 
   Murdock viu-se gritando. Estava de joelhos e cercado. A chuva caindo, trovões ribombando. Duas dúzias de mãos tentavam alcançá-lo com facas nas mãos.
   O draugar segurava seu pulso com um aperto férreo, fulminando-o com um olhar negro como a mais negra das sombras.

   Varag deixou que fosse apunhalado meia centena de vezes, então o ergueu pelo pescoço até que seus pés não tocassem o chão. O monge tentou escapar, mas o draugar era por demais forte. Murdock o atingiu com socos no rosto, mas foi como acertar uma parede de pedra.
   Olhando fundo nos olhos do monge com seu olhar macabro, Varag trespassou seu coração lentamente com uma espada quebrada.
   O monge gemeu de dor, sentindo o metal rasgar sua carne. A última coisa que Murdock viu antes de ser abraçado pelas trevas foi o jovem de olhos vermelhos se metamorfoseando. O mago cresceu e sua silhueta se deformou. Chifres cresceram em sua cabeça e uma cauda musculosa se esticou atrás dele. Erguendo-se sobre as casas num bater de asas, o monstro desapareceu nas cortinas de água do dilúvio, deixando para trás o monge no meio de um exército de criaturas mortas.

   - Resistir é inútil. – Disseram as vozes do draugar.

   E a morte tomou Murdock nos braços mais uma vez.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Narrativa #5: Morte Ácida

    Bem vindos de volta! Esta narrativa conta fatos offgame, que os jogadores não fizeram parte - ao menos não diretamente. As narrativas como esta serão um modo de mostrar as pequenas e grandes mudanças que os jogadores causaram em Tellerian, para o bem ou para o mal, assim como contextualizar cidades, povos, lugares e pessoas.
    Os fatos a partir daqui contados se referem à 2ª Temporada de Tellerian, 84 anos após a campanha original. Os personagens desta vez são: o guerreiro anão Belgest (Luis), neto de Belar, que foi personagem do mesmo jogador na Temporada anterior; Adaak (Neto), um paladino que se juntou à Ethos para se redimir de ter causado a morte da própria família num acesso de fúria sobrenatural; o clérigo Érebor (Eddie), com um passado sombrio e uma conexão simbiótica com um espírito das trevas chamado de Umbra; Raduh (Caio), um draconato verde exilado, que se juntou a Resistência Arcana e se tornou um cavaleiro rúnico com poderes das trevas [vocês o verão aqui no blog através de seu diário]; Lilrelei, ou Liu, (Mateus), um ladino explorador meio elfo, irmão de Ellian (Marcela), uma meia elfa como o irmão, mas com um espírito sanguinário de bárbara; e Miryo (Sara), uma ranger desertora da Ethos, cuja família foi assassinada pela própria instituição, fato que ela descobriu tardiamente.

Narrativa #5 - Morte Ácida

   Kalista atravessou outra porta sem diminuir a velocidade de sua desenfreada corrida. Olhava por sobre o ombro, ofegando. Ouvia o som metálico das armaduras de seus perseguidores, mas ainda não havia conseguido se recuperar do embate com Nimbë, o bruxo que fora enviada para eliminar.

   Tomando a esquerda na bifurcação que encontrou logo em seguida, recostou contra uma parede e forçou seu corpo a produzir energia mágica. Sentiu a cabeça doer, enquanto uma dor lancinante trespassava seu cérebro. Tão subitamente quanto veio, a aflição se foi e ela sentiu a familiar sensação gelada no estômago, enquanto a magia voltava a circular em suas veias.

   Subiu o lance de escadas que havia a sua frente, saltando os degraus de dois em dois, parando de imediato ao perceber que o caminho escolhido não tinha saída. Voltou-se para a escada, mas ouvia vozes confusas; ordens dadas aos berros e o som da marcha inexorável de muitos pés.
   A feiticeira respirou fundo, parando para controlar seu nervosismo. Suas roupas estavam pesadas com seu próprio sangue. Lembrou das palavras finais ditas por Victorius, no último dia do treinamento que se submetera após se voluntariar para o Esquadrão.

   - Vocês vieram a mim para se tornar Purpuris. - disse ele aos cinco magos que estavam no centro das pilhas de ossos que restavam esquecidos no topo da Torre Púrpura. - Vocês sabem o que isso significa.
   Victorius postava-se completamente estático, cajado na mão, olhos frios como blocos de gelo. Seu robe negro se debatia em volta de seu corpo, soprado pelos ventos gelados do inverno.

   - O Esquadrão Púrpura é a espada de dois gumes que trespassa nossos piores inimigos, ainda que inocentes tenham de perecer. É adaga oculta que encontra seus corações, fazendo-os sangrar em dias pacíficos, nos salões aquecidos por lareiras. É a flecha que voa sob a chuva, procurando alvos na escuridão, ainda que isto signifique perder-se na tempestade.  

   - Um sábio necromante disse que quando se olha para o Abismo, o Abismo olha para nós. Quando se é um Purpuri, o Abismo olha para e por nós. Vivam por estas palavras. Morram por elas. - o arquimago os encarava com um olhar fulminante. - Quando tomaram a decisão de entrar para o Esquadrão, vocês concluíram que não havia mais pelo que viver. Não voltem atrás. É por esse motivo que nós somos o pior inimigo daqueles que enfrentamos, pois não temos o que perder. Nós não tememos. Nós não poupamos.
  
   Um soldado atravessou a porta, olhando diretamente para ela, com espada na mão. Sob a armadura, o homem respirava com dificuldade.

   - Pare! - gritou ele.

   - Nós não tememos. - respondeu ela para o homem, que arremetia escada acima. - Nós não poupamos.

   Kalista ergueu a mão e lhe lançou um olhar de desprezo. A magia dentro dela revirou seu estômago e a rajada cáustica o atingiu em cheio no rosto.
   O ácido emitiu um chiado ao tocar a pele do homem, que largou a espada aos gritos, levando as mãos à face. Sua pele criou bolhas, produzindo silvos macabros e soltando uma fumaça escura. Em seguida, seu rosto começou a deformar.

   O soldado caiu de joelhos, engasgado com a fumaça, gemendo em aflição. Seus olhos haviam derretido, deixando apenas órbitas vazias. O corpo caiu inerte contra a escada e a feiticeira correu para o fim do corredor. Um movimento abrupto de sua mão abriu um buraco na rocha um segundo antes que ela saltasse através dele, mergulhando no lago que rodeava o forte.

   Quando alcançou a margem, já havia cavaleiros saindo pelo portão. Havia ao menos trinta deles, montados em cavalos de guerra, acompanhados por cães de caça. Não teria como escapar a pé.
    Pensou sobre os duzentos aldeões daquela vila, que não tinham nenhuma conexão com a Ethos. Nenhum deles tinha participação naquela guerra.

    "Azar.", pensou ela. "Nós não tememos. Nós não poupamos."

   Esticou os braços para o céu, apontando as palmas para a vila e para os cavaleiros. Concentrou seu poder, deixando-o tomar conta dela.
   Uma nuvem de poeira se ergueu, rodopiando para o céu. Nuvens escuras se formaram algumas dezenas de metros sobre a vila, girando num redemoinho. A chuva de ácido começou alguns instantes
depois.
 
   Então vieram os gritos.