segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Narrativa #10: A Boca da Serpente

    Bem vindos de volta! Esta narrativa conta fatos offgame, que os jogadores não fizeram parte - ao menos não diretamente. As narrativas como esta serão um modo de mostrar as pequenas e grandes mudanças que os jogadores causaram em Tellerian, para o bem ou para o mal, assim como contextualizar cidades, povos, lugares e pessoas.
    Os fatos a partir daqui contados se referem à 2ª Temporada de Tellerian, 84 anos após a campanha original. Os personagens desta vez são: o pistoleiro de Khalifor Yttrium (Luis), um atirador de elite, oficial do Juízo do Silêncio; Arda Dru'um (Neto), um necromante dedicado à caçar e destruir o Culto da Lua Sangrenta; o clérigo Érebor (Eddie), com um passado sombrio e uma conexão simbiótica com um espírito das trevas chamado de Umbra; Pata Sangrenta (Caio), o último meio-orc da tribo do U'Canis, que foi dizimada por Hogg; Lilrelei, ou Liu, (Mateus), um ladino explorador meio elfo; e Miryo (Sara), uma ranger desertora da Ethos, cuja família foi assassinada pela própria instituição, fato que ela descobriu tardiamente.

Narrativa #10 - A Boca da Serpente

   Trombetas soaram nas muralhas como o último rugido de uma fera ao morrer. Os muros se encheram de soldados sonolentos e assustados nos minutos que se seguiram. O desespero se propagou cidade adentro, enchendo Pedrabranca de cochichos amedrontados.
   A primeira luz da manhã revelou os exércitos que os cercaram silenciosamente durante a noite escura e tempestuosa. Orcs aos milhares traziam armaduras feias de ferro e armas manchadas de sangue; goblins gritavam uns com uns outros, movendo suas máquinas de cerco; ogros e bugbears rosnavam, arrastando martelos de guerra e arietes; no ar, uma dúzia de wyverns negros e verdes voavam em circulos, montados por duplas de orcs.

   - Meihëm nos ajude... - Balbuciou o capitão da guarda, um segundo antes da primeira catapulta disparar.

   O pedregulho passou sobre a muralha por poucos metros, atingindo uma casa e implodindo numa nuvem de poeira e rochas partidas. Um casal que se postava à porta, tentando entender a comoção, foi esmagado contra a parede numa mancha de sangue e vísceras.
   Os gritos desesperados dos transeuntes se ergueram em uníssono, soando como um incentivo para o exército que se postava do lado de fora.

   Tambores de guerra do tamanho de bois começaram a soar. Bum. BumBum. Rosnados e berros de fúria se espalharam pelo exército goblinóide enquanto o cheiro do medo vinha até eles. Bum. Bum. Outras quatro catapultas foram disparadas em sequência, atingindo a muralha e criando rachaduras imensas. O tremor derrubou um par de soldados azarados que gritaram toda a distância do topo ao solo, num impacto surdo contra a terra batida.

   Uma sombra surgiu no horizonte, voando a grande velocidade e as tropas começaram a avançar a passo lento. Cornetas com vozes esganiçadas foram soadas por aqueles que montavam as criaturas aladas. Os wyverns rugiram com suas vozes agudas, levando homens a cobrir os ouvidos sob os elmos.
   O Terror Noturno veio voando como um tiro de flecha. Negro como a noite, esguio, amedrontador. Sobre seu dorso, Hogg segurava as rédeas com uma única mão, trazendo sua lança firme na outra. Não usava armadura ou escudo.

   - Gadaraaak! Gadaraaak! - Gritaram os orcs, iniciando uma corrida desenfreada.

   - Arqueiros! Arqueiros em posição! - Berraram os oficiais, mas suas ordens emudeceram quando o dragão se aproximou.

   O Terror Noturno rugiu e seu rugido se propagou como se viesse das profundezas da terra. O medo se instalou no coração dos soldados, que ficaram paralisados no lugar. Os olhos verdes da fera se fixaram na muralha e uma nuvem de escuridão surgiu, expandindo tão rápido quanto uma explosão, densa como um líquido.
   Aterrorizados e presos dentro de uma nuvem de trevas, homens correram sem rumo, derrubando seus companheiros da muralha, para dentro e para fora da cidade. Hogg gritou uma ordem e o dragão abriu a boca.
   Da garganta da criatura, a luz azul surgiu e brilhou como uma estrela antes de ser disparada como uma grande bola de plasma. O Terror Noturno passou em rasante sobre as muralhas e cada uma de suas baforadas era uma estrela que caía sobre a pedra e explodia numa espiral de fogo e luz.

   Homens em chamas caíram e rolaram pelas escadas largas, gritando o desespero mais nítido enquanto seus cabelos viravam fumaça e a pele grudava no metal, rasgando-se. O cheiro de carne queimada se misturou ao cheiro de urina.
   A cidade começou a queimar antes mesmo que seus portões fossem derrubados e eles não demoraram a cair.
   Sem homens para defendê-los, os portões foram atingidos em cheio por ogros de armadura com arietes imensos feitos de carvalhos inteiros. Quando a primeira porta foi derrubada, as catapultas dos goblins já haviam criado um vão na muralha, pelo qual centenas de orcs já haviam invadido.

   Os cidadãos fugiram colina acima, enquanto goblinóides de todos os tipos arrastavam mulheres nuas para fora de suas casas, estuprando-as ali mesmo em seus jardins, diante de seus filhos moribundos.

   Ninguém viu de onde surgiu a garota de cabelos esverdeados.

   De repente havia dezenas de orcs carbonizados enquanto um redemoinho de chamas esmeralda chicoteava e devorava os invasores. Um ogro avançou sobre ela rugindo, mas as chamas o engolfaram e a criatura perdeu o senso de direção, acertando uma casa e sendo soterrado pelos destroços.
   Ela consumiu centenas de inimigos, pondo milhares em fuga, quando Hogg desceu com seu dragão.

   O espírito de chamas voltou-se para o rei orc, que apeou da fera, mandando-a novamente para o ar. O fogo verde sibilou numa serpente gigante e saltou sobre o líder dos orcs que atravessou as chamas calcinantes sem titubear.
   Hogg caminhou até a garota, mostrou seus dentes afiados e amarelos para ela. A garota ergueu as mãos, conjurando uma esfera de plasma entre elas. Então Hogg a trespassou com sua lança e as chamas se extinguiram.

   - O fogo teme Nidhogg. Nidhogg não teme ninguém. - Goblinóides o cercaram, novamente com olhos de espanto e admiração. O Filho da Serpente olhou em volta, erguendo a lança na qual a menina estava empalada, riu com seu rosnado e berrou: - Gadaraaak!

   - Gadaraaak! - rugiram seus soldados, voltando à pilhagem.

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