Bem vindos de volta! Esta narrativa conta fatos offgame, que os jogadores não fizeram parte - ao menos não diretamente. As narrativas como esta serão um modo de mostrar as pequenas e grandes mudanças que os jogadores causaram em Tellerian, para o bem ou para o mal, assim como contextualizar cidades, povos, lugares e pessoas.
Os fatos a partir daqui contados se referem à 2ª Temporada de Tellerian, 84 anos após a campanha original. Os personagens desta vez são: o guerreiro anão Belgest (Luis), neto de Belar, que foi personagem do mesmo jogador na Temporada anterior; Adaak (Neto), um paladino que se juntou à Ethos para se redimir de ter causado a morte da própria família num acesso de fúria sobrenatural; o clérigo Érebor (Eddie), com um passado sombrio e uma conexão simbiótica com um espírito das trevas chamado de Umbra; Raduh (Caio), um draconato verde exilado, que se juntou a Resistência Arcana e se tornou um cavaleiro rúnico com poderes das trevas [vocês o verão aqui no blog através de seu diário]; Lilrelei, ou Liu, (Mateus), um ladino explorador meio elfo, irmão de Ellian (Marcela), uma meia elfa como o irmão, mas com um espírito sanguinário de bárbara; e Miryo (Sara), uma ranger desertora da Ethos, cuja família foi assassinada pela própria instituição, fato que ela descobriu tardiamente.
Narrativa #4 - Culto ao Leviatã
Narrativa #4 - Culto ao Leviatã
A madrugada silenciosa dos portos estava tão tranquila quanto sempre, sua quietude abalada apenas pelo som das ondas se chocando contra o cais. O frio formava uma densa névoa sobre a água, que se erguia do Lago Comprido como uma neblina úmida, cobrindo toda a Baixada.
Sozinho no Armazém 12, Irvin amaldiçoava seu chefe e a família deste, rogando pragas silenciosas enquanto desencaixotava sacas de milho. Tiritava de frio sob o gibão de peles, esfregando as orelhas para aquecê-las.
A lua crescente desapareceu atrás de pesadas nuvens, obrigando-o a parar e acender mais lamparinas para dispersar a escuridão, mas as trevas daquela noite pareciam mais densas, mais frias, quase maléficas, pesando sobre ele... Os pingos pesados da chuva cessaram suas reflexões, jogando-o de volta ao mau humor de antes.
Terminou o serviço praticamente abraçado à uma lamparina, tentando livrar-se do frio que penetrava por suas roupas molhadas. Trancou o armazém, apressando os passos para encontrar sua cama o quanto antes, quando ouviu sons gorgolejantes e o som de vozes se perdendo na neblina.
Estranhou, com bons motivos, a presença de pessoas ali, ainda que ele mesmo estivesse trabalhando até tão tarde no cais.
Irvin estreitou os olhos, esticando a mão que segurava a lamparina e caminhando na direção da água. O som gorgolejante se tornou mais audível e o jovem apressou o andar, olhando para a água e temendo que alguém estivesse se afogando ali perto, escondido pela neblina.
Se aproximou com um nó na garganta, sem saber bem o que esperar, mas atraído por uma curiosidade que lhe era estranha. Temeu, por um segundo, encontrar apenas o cadáver gélido de um conhecido.
Então, paralelo ao gorgolejar incessante, ouviu vozes rudes murmurando algo que não compreendia. O cântico se tornou mais nítido confirme o jovem se aproximava, então cessou repentinamente, junto com o som que o havia deixado tão inquieto. Saltou a grade que bloqueava a passagem para o quebra-mar, estacando ao aterrissar do outro lado. Ficou completamente abismado com o que via.
Na parte mais baixa das pedras, duas ou três dezenas de homens e mulheres estavam parados, encharcados e imersos na água até os joelhos. Uma dúzia ou mais deles traziam lamparinas e as luzes tremulantes das chamas revelavam rostos deformados, de olhos esbugalhados e pele flácida como sapos; seus cabelos eram tufos esparsos de pelo fino, colados na cabeça pelo toque da chuva; aqueles que abriram as bocas em silvos e sons sibilantes mostraram dentes podres e buracos vazios de dentição irregular.
Engolindo em seco, tremendo sem saber se de frio ou de medo, Irvin olhou – paralisado – para a água, onde um par de grandes homens deformados seguravam um terceiro, que pendia inerte.
O que viu depois disso decretou o seu fim. O jovem soltou um berro esganiçado e derrubou a lanterna que trazia, atraindo a atenção daquelas criaturas. Tentou correr daqueles que vieram na sua direção, mas as penas não obedeceram.
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Na protuberância tosca que era sua cabeça, o monstro ostentava três olhos, um sobre o outro: olhos rubros como entranhas, imensos e cintilantes, profundos e tão cheios de compreensão e maldade que fizeram o estômago do jovem revirar e colocar para fora tudo o que comera.
O monstro parecia refastelar-se com o medo. Sua bocarra com inúmeros dentes agudos se abriu, sugando água com um som gorgolejante, depois a excretou com o mesmo som, mas repleta de um muco escuro com o fedor do mais podre esgoto.
Como um trovão, a voz profunda e grave da criatura vibrou sua cabeça, fazendo Irvin ver manchas pretas. A tontura causada pelo cheiro horrendo e pela pressão abissal que a voz produziu em sua cabeça, quase o levou à inconsciência, deixando-o inerte e apático.
- Aceite... A Benção... - disse o monstro, enroscando o primeiro prisioneiro com quatro asquerosos tentáculos.
Todas as criaturas presentes passaram a bater freneticamente em seus tórax, erguendo suas vozes em gritos tribais cheios de silvos e rosnados.
Irvin, arrastado por duas delas, tocou as pernas na água fria, retomando consciência a tempo de ver o prisioneiro começar a se debater em espasmos descontrolados, juntando seu berro de dor à gritaria ensandecida das criaturas.
- Aceite a Benção das profundezas. - ordenou o monstro, apertando o homem com seus tentáculos e afundando-o na água. - Aceite a Benção. Aceite a Benção.
Muitas criaturas juntaram suas vozes ao ritual, sibilando e silvando de forma arrítmica. - Aceite a Benççççção. Assssceite a Benção!
Muitas criaturas juntaram suas vozes ao ritual, sibilando e silvando de forma arrítmica. - Aceite a Benççççção. Assssceite a Benção!
As bolhas subiram pelo que pareceu ser uma eternidade, enquanto o homem se debatia, submerso. Então cessaram.
Fez-se silêncio.
Do lugar onde o homem afundara, se ergueu lentamente uma criatura de feições anfíbias, recoberta de muco putrefato. Erguendo a face para a chuva que caía, a criatura recém-nascida bateu no peito, rosnando, ao que todas as outras se uniram.
- Tragam o outro. - disse o monstro.
E Irvin foi arrastado para a água podre.
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