A Fúria do Bruxo
-- Basta -- os olhos do Reitor eram como o machado de um carrasco suspenso, e o silêncio que trouxeram deixou claro quem era o condenado.
Maldiv baixou os olhos, suas mãos tremiam. Em torno dele se formou um círculo que se ampliava, como se ele fosse um leproso. Seus colegas tentavam se afastar dele, fingir que não o conheciam. Todos odiavam o Reitor igualmente, mas nenhum tinha coragem de enfrentá-lo. Mesmo os seus professores o odiavam, todos estavam igualmente revoltados, mas nenhum se postava contra ele.
-- Você é uma péssima influência para todos neste Colégio -- continou o Reitor. Nas cadeiras ao lado da dele, os professores desviavam o olhar, se remexendo em seus assentos -- Glaedros não entrará na guerra. Nós estamos seguros, os orcs não sabem onde estamos, não interferimos, apenas observamos.
O estudante sentiu a raiva aumentando dentro dele. Glaedros já fora uma força a ser respeitada, bruxos estavam ao lado de reis, enfrentaram necromantes e monstros, não deviam ser uma casa decaída e covarde. Mas não sob o comando do Reitor.
-- Você tem até o anoitecer...
Faça. Mate-o, basta disso. Maldiv olhou em volta. A voz na sua mente não era sua, era um estranho. Ele olhou em volta procurando o interlocutor, faces de alunos e monitores desviaram do seu olhar. Até que no meio da multidão, um olhar encontrou o seu. Um olho muito azul e um olho violeta brilhante, num homem baixo e gordo. Basta dessa covardia. O homem gordo abriu a mão e mostrou um anel, fechou a mão e a reabriu, mas o anel não estava mais lá. Então apontou para o bolso de Maldiv. Imediatamente o aluno sentiu o peso.
-- OLHE PARA MIM ENQUANTO EU FALO -- berrou o Reitor -- EU SOU O REITOR.
-- Mas não é o Reitor original -- respondeu Maldiv -- O Fundador não é você, e você está sendo demitido.
-- Do que você está falando?!
Maldiv colocou o anel no dedo, ergueu na direção do Reitor e falou uma única palava:
-- Dauthnarai.
O raio negro disparou contra o peito do Reitor. Anéis e colares brilharam, criando múltiplos círculos de proteção, mas o raio quebrou-os com o som de mil pratos se partindo. O grito sufocado do Reitor deixou todos paralisados. Professores de pé, congelados pelo susto, olhavam do Reitor para Maldiv, enquanto a pele do homem mais velho se desfazia, soltando-se dos músculos, seus olhos soltavam fumaça negra, assim como sangue escorria de seus ouvidos, narina e boca.
-- O que você fez?! -- gritou o Mestre das Poções.
-- Ele fez o que eu mandei -- a voz anciã ressoou no salão, enquanto o homem aparecia atrás da cadeira do Reitor, fazendo os professores saltarem de seus lugares, preparando feitiços -- Abaixem as mãos. Nada do que vocês façam pode me ferir.
O homem gordo começou a se metamorfosear. Uma barba densa e branca cresceu onde antes não havia nada. O corpo parecia se dissolver e esticar, ganhando uma imponência maior do que a qualquer outro na sala. Professores baixaram as mãos e deixaram os queixos caírem ao perceber o olho violeta brilhante. Um minuto de choque após, um homem velho e imponente, vestido com mantos negros e roxos estava sobre o corpo do reitor, segurando um cajado preto com uma joia vermelha que tremulava.
-- Eu não posso viajar por duas dimensões e vocês deixam o mundo chegar nesse estado. Basta dessa covardia -- Disse Rafiki -- Nós vamos à guerra.
***
Fogo na Água
A espuma do mar espirrou no seu rosto no momento em que as primeiras flechas acertaram os barcos orc. As chamas se espalharam rapidamente. Em algum lugar de Guardamar soaram cornetas, e as muralhas entraram em frenesi. Ikkar imaginou a surpresa dos orcs ao ver uma armada vindo contra eles. E não uma pequena armada, mas uma grande armada. Ao seu lado, um dos Jarls nortenhos gritava com os remadores.
No barco a sua frente, podia ver o gigante queimado completamente vestido em sua armadura, com um machado de duas faces nas mãos, a bandeira com o brasão da Ethos liderava a esquadra, com diversos outros brasões nortenhos e da Aliança do Orgulho Solamnio.
Ikkar, assim como a maior parte dos solamnios estava mal armado. Alguns traziam foices ou machados, outros poucos tinham espadas. Quase nenhum deles tinha mais que um corselete de couro batido, apenas um ou outro tinha escudo, mas todos tinham um fogo de esperança e raiva nos olhos, uma chama que ardia mais forte do que o reflexo do fogo nos barcos dos quais se aproximavam.
-- Por Meihëm! Por Solamnia! -- gritou Ikkar, sua voz esganiçou, aguda, sem força contra o som do vento, mas atrás dele, alguém repetiu o berro:
-- Por Meihëm!
-- Por Solamnia! Por Solamnia! Por Meihem! -- outras vozes se juntaram, até que todo o barco gritava. Um guerreiro colocou as mãos em volta da boca, berrando por cima do som do vento e das ondas, tentando fazer sua voz alcançar o barco mais próximo. Sua tentativa pareceu falhar, até que um murmúrio cresceu velozmente numa única voz que tomou o barco ao lado, uma voz que gritava com fúria crescente -- POR MEIHËM! POR SOLAMNIA!
Aos poucos, o brado foi se espalhando de barco a barco, de voz a voz, até que todo o exército gritava. Trinta barcos, quase mil homens gritavam, e o som do grito de guerra era maior que qualquer trombeta que os orcs pudessem tocar nas muralhas de Guardamar. Com fúria e com fogo os barcos começaram a subir o rio, as flechas orc caindo na água sem atingi-los.
Desembarcaram na margem, subindo rapidamente a praia e a colina. Uma longa parede de escudos orc já havia se formado diante do maior portão na muralha. Atrás da parede de escudos de orcs mais velhos, um exército três vezes maior de orcs jovens e sem armadura fervilhava esperando a batalha começar.
A cem metros de distância dos orcs, os homens se juntaram na sua própria parede de escudos. Num flanco, trezentos nortenhos, a maioria parecia velha ou feridas, sob três estandartes: um navio quebrado, uma espada sem cabo e uma lança partida. Símbolos de jarls falidos. No flanco oposto, trezentos homens sem armaduras, com armas improvisadas e fúria. No centro, outros trezentos homens vestidos de armadura completa, liderados por um gigante com um machado imenso nas mãos, sob o estandarte vermelho e prateado da Ethos Alfa: paladinos, de armaduras novas e sem arranhões, soldados da fé recém ungidos. Deveriam estar com medo, deveriam estar tremendo de medo, mas tremiam apenas de raiva. Deveriam estar chorando, murmurando preces, mas todos tinham a voz firme e respondiam os xingamentos dos orcs com apenas um brado, um único brado compartilhado: